Adaptação inédita, para os palcos, da obra literária “O Bigode”, do francês Emmanuel Carrère, estrei
- Gabriele Nery
- 25 de fev. de 2016
- 4 min de leitura
Escrito em 1986, a obra possui um enredo aparentemente simples, começa quase como uma brincadeira. A leveza das primeiras páginas chega a pregar peças na emoção do leitor, que logo se vê desconcertado ao perceber que da serenidade, vem o horror. O tema da identidade é explorado sob o prisma conjugal. Como é possível ser íntimo de alguém e, ao mesmo tempo, um completo estranho? E por que a imagem que o outro tem de nós pode ser tão poderosa, capaz de desestabilizar até mesmo quem somos? Os limites do autoconhecimento, a incomunicabilidade amorosa, os parâmetros de normalidade social são magistralmente explorados em O Bigode.
A força da narrativa está no fato do autor saber manipular as loucuras secretas de todos nós e espalhar o horror com uma calma que só faz reforçar o impacto de sua história. A literatura de Emmanuel Carrère pode ser a realidade ou a ficção, a psicanálise ou a ação, a vontade de se expor ou o desejo de autocompreensão. São essas ambiguidades que fazem de Carrère um dos mais interessantes autores franceses contemporâneos e que o fizeram participar da Festa Literária Internacional de Paraty – Flip, de 2011.
Dez anos após seu lançamento, O Bigode foi adaptado para o cinema, roteirizado e dirigido pelo próprio Carrère. Mas, até hoje, a obra nunca havia sido adaptada para o teatro. Diante do desafio de tornar dramaturgia a literatura, a presente adaptação, assinada Ricardo Leite Lopes, dirigida por Eduardo Vaccari e interpretada por Vicente Coelho, Dulce Penna e João Lucas Romero, que juntos formam o Grupo LUPA, pretende alcançar o ritmo vertiginoso da narrativa original, explorando desde seu humor patético até a inevitável tragédia.
Com patrocínio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, por meio do Programa de Fomento Viva a Arte 2015, realização do LUPA e Alessandra Reis 27 Produções Artísticas, o espetáculo “O Bigode” cumpre temporada de estreia de 5 a 27 de março de 2016, no Teatro Glauce Rocha, Rio de Janeiro, de quarta a sábado às 19h e domingo às 18h.
O enredo da peça
Numa manhã, um homem, ao se barbear, pergunta a sua esposa: “E se eu raspasse o bigode?” De saída, ela responde encorajando-o ao ato. Ele aproveita sua rápida ausência e decide fazer-lhe esta surpresa. Raspa o bigode que usava há anos. Porém ao retornar ao apartamento ela não faz nenhum comentário e parece ignorar a mudança no visual do marido. De início, parece se tratar de uma troça da esposa. Aos poucos a situação vai se tornando mais curiosa, pois as outras pessoas que ele encontra também não notam ou, pelo menos, não comentam a diferença. Já irritado e desgostoso com a suposta brincadeira de mau gosto, ele finalmente decide perguntar: “Você não vai falar nada sobre eu ter raspado o bigode?” Ao que ela responde: “Que bigode? Você nunca teve bigode!” Este é o ponto de partida de “O Bigode”. O advento que desencadeia a crise de identidade deste personagem sem nome, esta trama que flerta com o absurdo, um conto de terror psicológico. Estaria ele louco? Nunca teria usado bigode? Ou seria a esposa, quem teria enlouquecido? Essa dúvida se mantém em suspensão, o máximo possível. A situação rapidamente se torna obscura. O impasse indissolúvel, a fracassada busca por indícios, vestígios e provas da existência de seu bigode culminam numa fuga para a China, na tentativa hiperbólica de isolamento, negação da própria individualidade, da própria história e memória, os referenciais que o constituem. O homem, sem nome, acolhe sua loucura, mesmo sem compreendê-la, e limita-se a passar os dias numa barca que liga Hong Kong a Kowloom, indo de uma margem a outra, desaparecendo. Porém, nos envolve em calmaria para preparar a tempestade. Certo dia, ao retornar para seu quarto de hotel num vilarejo de Hong Kong, o homem encontra sua esposa, displicentemente acomodada, relatando amenidades sobre seu dia, como se estivesse ali desde sempre, com ele, numa viagem turística banal. É um choque insuportável – até mesmo para o espectador que já se via enredado naquela “nova realidade”, perversamente construída para ser desconstruída.
O Grupo LUPA
O LUPA é oriundo de uma parceria, iniciada ainda no curso de direção teatral da UFRJ, entre Dulce Penna, Eduardo Vaccari, Vicente Coelho, João Lucas Romero e Ricardo Leite Lopes. Em 2010 estreou o espetáculo “201”, com texto de Dulce Penna, que conta a história de dois homens que viveram em um mesmo apartamento, mas em épocas diferentes. A encenação cumpriu temporada no Espaço Cultural Sérgio Porto, como parte do Projeto Entre, e na Sala Paraíso do Teatro Carlos Gomes, em 2013. “O Bigode” é o segundo projeto do LUPA.
Local: Teatro Glauce Rocha. Av. Rio Branco, 179, Centro, Rio de Janeiro. Tel. 2220-0259 Temporada: 5 a 27 de março. Quarta a sábado às 19h e domingo às 18h. Classificação indicativa: 16 anos Ingresso: R$ 40,00 (inteira) Duração: 80 minutos Gênero: Drama
Ficha técnica
Autor: Emmanuel Carrère Adaptação: Ricardo Leite Lopes Direção: Eduardo Vaccari Elenco: Vicente Coelho, Dulce Penna e João Lucas Romero Cenário e Figurinos: Carla Ferraz Iluminação: Vitor Emanuel Trilha Sonora Original: Arthur Ferreira Assessoria de Imprensa: Ney Motta Programação visual: Evee Avila e Fernanda Guizan - Balão de Ensaio Direção e Execução de Produção: Paula Valente e Rubi Schumacher - Curiosa Cultural Realização: LUPA e Alessandra Reis 27 Produções Artísticas
fotos © Aline Macedo
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